É possível? É plausível? Quais as consequências? E, o que deve ser observado.

Uma das dúvidas recorrentes, após a inclusão de todas as gestantes e puérperas no grupo de risco decorrente do Covid-19 por Recomendação do Ministério da Saúde, é se é possível afastar as trabalhadoras gestantes pelo INSS.
Antes de dizer se sim ou se não é preciso entender o que é esse afastamento pelo INSS. Trata-se do auxílio doença.
AUXÍLIO DOENÇA – BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
O benefício do auxílio doença nada mais é do que um benefício por incapacidade, devido ao segurado do INSS, que comprove através de perícia médica, estar temporariamente incapacitado para o trabalho por mais de quinze dias consecutivos, sendo o contrato de trabalho suspenso a partir do décimo sexto dia. Aqui vale a soma dos atestados dentro de um período de sessenta dias.
Lembrando o destaque de outro artigo,
A suspensão ocorre quando tanto a obrigação do empregador (pagar o salário) como do empregado (prestar o serviço) paralisam-se, cessam. É o caso do intervalo inter e intrajornada e da greve. Ainda que as obrigações principais estejam cessadas, as assessórias permanecem (como a boa-fé nas relações trabalhistas).
A interrupção ocorre quando cessa a prestação de serviço, mas as obrigações do empregador continuam. O contrato de trabalho produz parcialmente seus efeitos próprios, tais como a contagem do tempo de serviço para fins de férias e para efeitos previdenciários e a obrigatoriedade de realização de depósitos do FGTS. É o caso das férias e descanso semanal remunerado.
Baruffi, Ana Cristina.
Essa diferenciação é importante.
Na prática, para o trabalhador celetista, até o 15º dia de afastamento quem realiza o pagamento é o empregador e, após, a autarquia federal INSS. Só que não é assim tão fácil. Há razões para a concessão do benefício: que é a incapacidade laborativa.
Seria o COVID-19 possível de fundamentar o afastamento por incapacidade laborativa? Veremos mais adiante.
O valor do benefício também é diferenciado. Não levará em consideração o salário atual do empregado segurado, mas sim, todas as contribuições existentes.
CÁLCULO DO AUXILIO DOENÇA
O cálculo do valor do benefício, previsto na Lei 8.213/91, é a média aritmética simples de 80% dos maiores salários de contribuição de todo o período contributivo (limitados após julho de 1994).
Na prática, o cálculo seria da seguinte maneira:
Imagine que o segurado tenha 180 contribuições.
Então pega-se (80% de 180), ou seja, 144 contribuições.
Serão escolhidas então as 114 maiores contribuições. Soma-as. Depois é só dividir por 144 para chegar à média. Essa média será o salário de benefício do segurado. Para saber o valor do benefício, é só multiplicar isso por 0,91 (91%).
COMO É FEITO O REQUERIMENTO
Principalmente em decorrência do isolamento social, foi necessário realizar alterações no procedimento para que os segurados não virem a ser prejudicados, da mesma forma para não sobrecarregar a autarquia.
Tendo em vista que as agências do INSS estão atendendo de forma presencial somente casos de extrema urgência, para evitar filas e aglomerações, os atendimentos passaram a ser agendados diretamente pelo portal eletrônico e aplicativo MEU INSS.
Para isto, o segurado deverá tirar uma foto legível do atestado médico que deve conter a assinatura do profissional emitente, carimbo de identificação com número do registro do profissional, não deve conter rasuras, deve ainda conter o CID e o tempo necessário de repouso com indicação para auxílio doença e enviar pelo portal eletrônico? para análise do INSS. Será realizada perícia por meio eletrônico, com o médico perito federal, o qual analisará a validade do atestado e definirá a liberação do auxílio. Após análise deste atestado médico e cumprindo os requisitos, o beneficiário perceberá por três meses o valor referente à um salário mínimo por mês.
A portaria prevê ainda as hipóteses de realização de perícia médica presencial após o período de noventa dias:
Art. 5º O beneficiário será submetido à realização de perícia pela Perícia Médica Federal, após o término do regime de plantão reduzido de atendimento nas Agências da Previdência Social:
I – quando o período de afastamento da atividade, incluídos os pedidos de prorrogação, ultrapassar o prazo máximo de três meses, de que trata o art. 3º;
II – para fins de conversão da antecipação em concessão definitiva do auxílio-doença;
III – quando não for possível conceder a antecipação do auxílio-doença com base no atestado médico por falta de cumprimento dos requisitos exigidos.
As adequações tornaram-se necessárias de forma a preservar o direito dos segurados, bem como respeitando as orientações de distanciamento social e o regime de plantão reduzido praticado pelas agências do INSS.
Além disso, a portaria publicada em 02/04/2020 regulamenta a Lei 13.982, que em seu artigo 4º dispõe acerca da antecipação do benefício do auxílio-doença durante o período de até três meses ou até a realização da perícia, o que ocorrer primeiro.
Cabe ressaltar que para adiantamento do benefício o segurado deverá ter cumprido a carência mínima exigida e apresentar atestado médico.
Art. 4º Fica o INSS autorizado a antecipar 1 (um) salário-mínimo mensal para os requerentes do benefício de auxílio-doença de que trata o art. 59 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, durante o período de 3 (três) meses, a contar da publicação desta Lei, ou até a realização de perícia pela Perícia Médica Federal, o que ocorrer primeiro.
Parágrafo único. A antecipação de que trata o caput estará condicionada:
I – ao cumprimento da carência exigida para a concessão do benefício de auxílio-doença;
II – à apresentação de atestado médico, cujos requisitos e forma de análise serão estabelecidos em ato conjunto da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS.
AUXILIO DOENÇA – BENEFÍCIO EM ASCENÇÃO
Todos os anos milhares de brasileiros são amparados pelo benefício do auxílio doença. A incapacidade laborativa decorrente das relações de trabalho são uma constante que aumenta anualmente.
Porém, em 2020, foi acrescida por uma variável até então desconhecida – o COVID-19, Coronavírus – que implicou em medidas drásticas de isolamento social e afastamento do ambiente de trabalho. Além disso, aumentou – de forma considerável – um número de pessoas que podem ser consideradas no grupo de risco. E com isso, passou a gerar as seguintes dúvidas:
- é obrigatório o afastamento deste público das atividades laborativas (aqui restringidas às decorrentes da CLT).
- Esse afastamento, poderia ser via concessão do auxílio doença?
É obrigação do empregador assegurar que o ambiente de trabalho seja salubre para o desempenho das atividades e, diante da transmissão comunitária do vírus, tal garantia torna-se quase hercúlea impossível.
Em específico quanto às trabalhadoras gestantes há o direito constitucional de não laborar em local insalubre independentemente do nível de insalubridade (confirmado pelo Supremo Tribunal Federal). O afastamento delas do ambiente de trabalho insalubre não decorre de lei. Decorre de precedente do Supremo Tribunal Federal.
Logo, o que fazer?
Pois, bem.
Neste momento, só é possível afirmar que cabe ao empregador garantir medidas de segurança aos seus empregados para evitar a disseminação do vírus (com o uso obrigatório de máscaras, álcool em gel, trabalho remotos entre outras medidas).
Assim, se o empregador não tem como garantir o ambiente totalmente salubre (porque todos sabem, o vírus está aí), se fez recomendado adotar medidas alternativas para a manutenção do trabalho de todos o seu corpo de trabalhadores, mas com prioridade àqueles que estão no grupo de risco (como já apresentadas em outro texto, decorrentes da MP927 e MP936).
Vale ressaltar que estas medidas são destinadas ao cuidado da saúde da pessoa, bem como evitar um colapso no sistema único de saúde. Em nenhum momento também se fala em obrigatoriedade e, sim, priorização. Mas por uma consciência ética (que é o que se espera) se atende ao afastamento.
Porém, não consta entre as medidas apresentadas pelas Medidas Provisórias, consta o afastamento por auxilio doença. Há teletrabalho, férias, licenças, redução de jornada e salário e até suspensão do contrato de trabalho, mas não afastamento pelo INSS (na forma do auxílio doença). Seria então, possível, afastar pelo INSS a gestante (ou ainda outro trabalhador da categoria de risco) em razão do COVID-19?
Em um outro momento abordamos esse assunto.
Não cabe ao empregador impor à gestante que o afastamento deve ser feito através do INSS. Afastar ou não, é uma prerrogativa do INSS, que irá decidir após perícia (que é obrigatória para a concessão deste benefício). E diariamente são noticiadas informações sobre o assunto.
Porém, por consciência ética e moral é preciso que o empregador afastar a gestante da atividade laborativa em razão do COVID-19, adotando as medidas sugeridas pelo governo federal, tomando o cuidado de não ferir os seus direitos. Com bom senso! Mas não que afastar necessariamente precisa ser pelo INSS.
Pelo fato de todas as gestantes terem sido incluídas no grupo de risco, traz à tona esta discussão. Não é possível afirmar uma regra, se sim ou não.
Cada realidade da relação de trabalho é única e ela deve ser considerada para a escolha da melhor medida, inclusive para afastamento pelo INSS (a ser considerada às gestantes que estão na linha de frente no combate ao vírus, como as da área da saúde!).
O que se pode afirmar é que esta deve ser a última medida a ser adotada, para os casos extremos, para quem realmente tem direito a requerer. Há um grande risco de não ser concedido o benefício do auxílio doença. E, se for negado, a principal prejudicada é a trabalhadora.
Esta situação precisa ser muito bem ponderada e adotada com cautela quanto às trabalhadoras gestantes com gestação acima de 34 semanas, pois há implicações direta na licença maternidade e recebimento do salário maternidade.
Isso porque o benefício do auxílio doença é um afastamento considerado suspensão do contrato de trabalho.
E, como já explicado em outro momento, “a licença maternidade é um caso de afastamento do contrato de trabalho em que é mantida a contagem do tempo de serviço para todos os fins e os depósitos do FGTS, além de garantir à gestante o direito ao salário-maternidade (que é pago pelo INSS por intermédio do empregador que sub-rogasse no direito da gestante)”.
Logo, não é possível afastar o que já se encontra afastado, nem mesmo contabilizá-los de forma concomitante. Como, então, proceder?
FUI AFASTADA, COMO É QUE FICA A LICENÇA MATERNIDADE E O SALÁRIO MATERNIDADE?
A Constituição federal assim prevê:
Art. 7, XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
A CLT acompanha, assim determinando
Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário.
Perceba que não há data inicial para o gozo da licença determinada nestas duas previsões legais. O que decorre é que a licença maternidade é um direito e que este direito é de 120 dias (possíveis de prorrogação, explicados melhor neste post).
Existe, por outro lado, o permissivo legal que autoriza o início do gozo da licença em até 28 dias antes do parto. Mas é uma opção, não obrigação. Logo, a data do nascimento é que deve ser adotada como data inicial da licença maternidade.
Mas se o contrato estiver suspenso, em razão do afastamento pelo auxílio doença, e o bebê nascer, como fica? A resposta à essa pergunta encontramos na tratativa legal dada ao salário maternidade.
Isso porque, não há impedimento da beneficiária do auxílio doença requerer o salário maternidade. A única coisa é que eles não podem ser recebidos juntos.
Neste caso, haverá a interrupção do benefício do auxílio-doença, para o recebimento do salário maternidade pelo prazo de 120 dias (lembrando que pode haver a prorrogação por mais 15 dias ou 60 dias se empresa cidadã), com a retomada do auxílio doença após o término do salário maternidade.
Logo, caso o bebê nasça no período do afastamento, deve haver a interrupção do auxílio doença administrativamente – tanto para recebimento do salário maternidade, como para gozo da licença maternidade – que será retomado após o fim destes.
Ou seja, a resposta será interromper a suspensão do auxílio doença – restabelecer o contrato de trabalho para que haja a concessão da licença maternidade. Depois, retoma-se o auxílio doença até a sua data final.
Esta regra é aplicável apenas para o caso do nascimento do bebe ocorrer dentro do gozo do benefício do auxílio doença.
Poderíamos, quem sabe, aplicar aos acordos realizados com base na MP936, no caso do nascimento ocorrer dentro do período de suspensão do contrato de trabalho por exemplo?
A princípio não.
Primeiro porque ainda que o ente pagador de todos os benefícios aqui falados (auxilio doença, salário maternidade e o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda), seja a União, é feito através de pessoas diversas: INSS e Ministério da Economia.
Segundo, pelas regras apresentadas pela MP936 para o recebimento e, dentre elas, está a incompatibilidade de recebimento do benefício emergencial com o salário maternidade. Logo, é preciso que um termine para que o outro comece (seja por requisição do empregador ou mesmo em decorrência do tempo, quando então a licença iniciaria após o término da suspensão prevista no acordo. Mas não há regra dispondo sobre isso. É preciso acordar).
Porém, como não há regras definindo, e são assuntos novos, ainda se aguarda o posicionamento dos tribunais sobre o assunto. Se tem dúvidas, converse com o seu sindicato (mesmo após a assinatura do acordo), converse com um advogado, converse com o seu empregador!
Vale lembrar que falar em COVID-19 é falar em uma situação extrema e que exige atualização diária. Então é sempre importante ficar atento às mudanças definidas pelo Governo. Pode ser que o cenário que apresentamos aqui, em razão das diferentes medidas que são diariamente tomadas para o combate ao Covid19 e na manutenção dos empregos, já se tenha alterado após a publicação deste texto.
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Texto escrito por:
Ana Cristina Baruffi. Advogada. Mestre em Direito Processual Civil. CEO da Baruffi Advocacia e Direito & Maternidade.
Daniela de Bastos da Silva. Advogada. Pós graduada em Gestão Pública Municipal. Pós graduanda em Direito Processual Civil. CEO de Daniela Bastos Advocacia.